Arquivos mensais: Setembro 2016
Piscada – Benjamin Peret
Bandos de papagaios atravessam minha cabeça quando te vejo de perfil
e o céu de banha estria-se de relâmpagos azuis que traçam teu nome em todos os sentidos
Rosa penteada de tribo negra perdida numa escada onde os seios agudos das mulheres olham pelos olhos dos homens
Hoje eu olho pelos teus cabelos
Rosa de opala da manhã
e desperto pelos teus olhos
Rosa de armadura
e penso pelos teus seios de explosão
Rosa de lagoa esverdeada pelas rãs
e durmo no teu umbigo de mar Cáspio
Rosa de rosa do mato durante a greve geral
e me perco entre teus ombros de via láctea fecundada por cometas
Rosa de jasmim na noite da lavagem dos linhos
Rosa de casa assombrada
Rosa de floresta negra inundada de selos azuis e verdes
Rosa de papagaio-de-papel sobre um terreno baldio onde brigam crianças
Rosa de fumaça de charuto
Rosa de espuma de mar feita cristal
Rosa
( “Piscada” – Benjamin Peret – Editions Surrealistes, Paris: 1936)
Pequenas solidões
“a vida é, assim, feita de golpes de pequenas solidões” (Barthes)*.
- Barthes, Roland. A Câmara Clara. N.Fronteira.2012.
Meu coração – Arnaldo Antunes
bate sem saber
que meu peito é uma porta
que ninguém vai atender
quem sente
agora está ausente
quem chora
agora está por fora
quem ama
agora está na cama
doente
só corre e nunca chega na frente
se chega é pra dizer: vou embora
sorriso não me deixa contente
e todas as pessoas que falam
pra me consolar
parecem um bocado de bocas
se abrindo e fechando
sem ninguém pra dublar
eu já disse adeus
antes mesmo de alguém me chamar
não sirvo pra quem dá conselho
quebrei o espelho
torci o joelho
não vou mais jogar
meu coração
bate sem saber
que meu peito é uma porta
que ninguém vai atender